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Os catálogos telefônicos de páginas amarelas ocupam um lugar todo especial no catálogo esquecido dos catálogos telefônicos. As páginas amarelas listam as pessoas jurídicas e os profissionais da cidade, de acordo com suas especialidades: de açougues a especialistas em zarcão e em zinco, ali estão enumeradas as atividades, produtos e serviços com as quais se produzem os chamados “dias úteis” de uma metrópole.
Não se trata de um catálogo de felicidades, mas, antes, de um catálogo de necessidades: seus itens não formam um catálogo de vocações, cujo exercício proporciona realização pessoal, e, menos ainda, deleite ou êxtase. Bem mais modestamente, são só as maneiras que as pessoas encontram para fazer frente às imposições da sobrevivência, em meio às precariedades e, sobretudo, aos temores da vida na metrópole: jeitos de se tornarem úteis aos outros – e também a si mesmas.
A série “Páginas Amarelas”, de Anete Ring, retoma a estética do expressionismo alemão, movimento surgido há cerca de um século, numa época em que a Alemanha recolhia os escombros da I Guerra Mundial e se confrontava com os aspectos mais cruéis e desumanos de uma sociedade capitalista, industrial e urbana.
Apresenta uma ótica que não é a dos vencedores, dos bem-sucedidos, dos bons e dos belos, mas a dos milhões silenciosos e anônimos, cujos empenhos, esforços e sofrimentos, nos “dias úteis”, põem em marcha a grande maquinaria da cidade moderna, ao mesmo tempo em que suas “vidas úteis” vão sendo devoradas pela passagem do tempo.
Os rostos que surgem sobre essas páginas amarelas, arrancadas de velhos catálogos, há décadas destinados ao lixo, mal transparecem sob máscaras de sofrimento, dor, desilusão ou desespero. São rostos de quem luta, a vida inteira, pela vida, vida nua, sem vitórias, muitas vezes, sem nem mesmo um sonho de vitória, e, nas páginas amarelas, se põe a disposição e a serviço de alguém outro, a quem talvez possa vir a ser útil.
Anete Ring nos propõe um comentário sobre a utilidade dos “dias úteis” e, ao mesmo tempo, sobre a efemeridade e a ausência de significado das “vidas úteis”: uma reflexão acerca dos caminhos que se oferecem à vida humana no contexto da metrópole e da “civilização” modernas.
L. S. Krausz
Professor Livre-Docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
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